sábado, 15 de outubro de 2011

Ah saudade...

Alerta aos leitores: isso é uma confissão, um desabafo. Se não se interessam por algo pessoal, sugiro que parem aqui.


15 de outubro de 2010. 2 horas e 17 minutos da madrugada. Três ligações não atendidas me antecipavam o que temia: “Meu Vô” (como nos chamávamos) tinha acabado de partir.

Temia a chegada desse dia, e sabia que ele fatidicamente chegaria, claro. Para mim, a partida do patriarca dos Madureira marcaria o início da tragédia. Há um ano, reuniram-se pela última vez todos os filhos, os netos e os bisnetos. Juntos, choramos sua partida e celebramos sua vida. 

Não sei explicar a dor que ainda sinto ao lembrar-me dele. Nutria uma admiração imensa e ele sempre será uma referência para mim: de alegria, desprendimento, bondade e amor.

Vovô era um bon vivant: musical, boêmio, namorador (adjetivo doloroso para Vovó). Toda vez que eu o reencontrava era uma festa. Eu me colocava ao seu lado, ele pegava o violão e começava a cantoria:

“Que beijinho doce
Foi ela quem trouxe
De longe pra mim
Se me abraça apertado
Suspira dobrado
Que amor sem fim”

Depois que “Meu Vô” nos deixou, nunca mais consegui ouvi as musicas que ele tocava. São tantas histórias com trilha sonora. São tantas lembranças, tantos episódios marcantes. Minhas férias eram muito mais coloridas e muito mais doces ao lado dele e de seus saquinhos surpresas de balas e bombons. Algo singelo e mágico. Não precisava dos adoráveis personagens de histórias infantis, já tinha a minha própria fábula.

A proximidade dessa data não me fez bem. Busquei esconder essa tristeza focando outra coisa; não deu certo. Só fez aumentar minha inquietude e intensidade. Hoje, meu coração começa a se aquietar. A saudade continua, pois pessoas especiais se tornam eternas. Porém, a tristeza não as enaltecem e não faz bem.

No velório de “Meu Vô”, eu não consegui me despedi, mesmo com a insistência de minha mãe. Pela primeira vez tive que lidar com a morte de alguém tão próximo. Infelizmente, terei que aprender.

Com um ano de atraso, aqui vai a minha despedida. Faço-a publicamente, pois quero acreditar que se contar para muita gente, talvez ele “escute”.



Ah saudade...

“Meu Vô”
Mais que lembranças
Ficaram referências

Sei que cometeu erros:
como ser humano,
como esposo...
Quis amar demais,
ter prazeres demais...
Cabe a mim julgar? Não!

Só que como neta,
aos meus olhos, foi irretocável
Recebi carinho,
retribui carinho
Assim, ao teu lado fui feliz
Isso basta

Então,
Até mais, “gavião malvado”.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Diálogo entre versos

Hoje uma pessoa muito querida me chamou para um café a fim de comentar sobre o que ando escrevendo neste espaço, mais precisamente para comentar sobre um poema que escrevi.

Contextualizando: eu e Edgard Neto nos conhecemos há mais de dez anos. Ele sempre estimulou as minhas viagens literárias, a articulação das palavras para solidificar ideias. Além do mais, aguçou minha vaidade ao eleger-me musa para sua inspiração (isso deixa qualquer um vaidoso). Eu o conheci por meio de seus poemas; quando me viu, deparou-se em sua imaginação com Olympia de Manet.

Voltando ao caso...  Edgard disse que ao ler “Brinde a liberdade”, lembrou-se imediatamente de algo que ele já havia escrito, “let’s dance”. De uma forma interessante, esses dois poemas se encontravam. “Chamou-me a atenção porque teve várias coisas que escrevi que necessitavam de ‘diálogos’ como esse. Sempre quis um diálogo entre dois poemas e nunca obtive êxito. E de repente, sem a menor pretensão, apareceu”, comentou.

Sim, realmente os poemas conversam entre si. É meio sagrado, meio profano. Acho que a intenção era profanar o sagrado e tornar sacro o profano. Outrora, esse era o mote de nossas conversas, principalmente no campo dos desejos e das paixões. Fugindo do maniqueísmo, essa intensidade traz consigo sabores e dissabores.

Edgar vai apresentar os dois poemas num sarau no próximo sábado.  Fiquei feliz.

Seguem abaixo os dois textos:

 
let’s dance

vamos dançar
embriagados pela loucura
amar de várias formas
venerar os nossos corpos
nos adorar como deuses
pois você é minha religião
minha crença
meu ritual pagão
minha heresia cristã
O teu corpo: A catedral
onde habita a minha prece
minha oração
minha súplica, meu destino
Erguerei um Tóten
abrirei os caminhos
ofereço o meu sangue
e minha carne
pela tua
EU TE DESPIREI DO MANTO SAGRADO

(Edgard Neto)



Brinde a liberdade

Vamos elogiar a loucura,
O elixir da vida vivida,
Sentida no transgredir das regras
E no pulsar da carne

Vamos cear com o profano
Tomar um porre de nós mesmos,
Animais sedentos de vontade
Que mal há?

Desejar o desejo
Respirar a essência
Sem crime ou punição

Liberdade, liberdade, liberdade
De que nos adianta ter
Se o viver nos incomoda?

(Graziane Madureira)

domingo, 9 de outubro de 2011

Para além de um embarque

Aline sempre teve inveja das viagens de sua amiga Zuzu, para quem andar de avião era igual a uma comédia romântica hollywoodiana. A cada decolada, era um novo love story nas alturas. Sempre conhecia alguém bonito, inteligente, rico, sarado, estrangeiro, tarado... todos interessantes. Nas cadeiras das aeronaves já arranjou namorado, amante, ficante, parceiro sexual e até noivo. A mulher já pegou alguém até na fila de visto da embaixada americana. Era ou não era de causar inveja?

Aline, por sua vez, era uma fracassada nesse quesito. Apesar de ser apaixonada e feliz com o seu namorido, devaneava com possíveis flertes ocasionais. Porém, nunca teve um companheiro de viagem que prestasse, e olha que sua profissão de representante comercial lhe exigia deslocamentos semanais. Ao seu lado, só sentavam os da terceira e primeira idades, neuróticos, gays, mulheres ou fracassados. Roncava, perturbava, tagarelava ou rezava. Era uma das primeiras a procurar o assento, vestia-se com primor e torcia para que Nossa Senhora do Parto lhe desse uma boa hora; nada adiantava. Sua sina.

Mesmo com os perrengues, Aline não desistiria: um dia ainda iria flertar com seu colega de assento.  Era questão de honra.

Aline x Zuzu: a antítese

Última viagem de Zuzu: retorno do Rio de Janeiro, depois de um fim de semana amargurado com agora seu ex. Fora até a cidade maravilhosa para que seu príncipe nórdico a trocasse por uma poposuda preparada do funk. Aquilo doeu. Embarcou em frangalhos. Todavia, seu sofrimento durou exatos 2h:30min de vôo, tempo suficiente para um arquiteto, de mudança para a cidade dela, sentasse ao lado. Desembarcou com um convite para jantar no dia seguinte e sem se lembrar do falecido 

Última viagem de Aline: retorno de uma bem sucedida reunião de trabalho. Avião lotado; senta-se entre um garoto trabalhado na traquinagem e uma senhora banhada pelo perfume falsificado mais vagabundo da 25 de Março. O guri derramou refrigerante em sua roupa, desfiou sua meia e ainda lhe machucou o pé com aqueles malditos tênis com rodinha (Deveriam ser presos os inventores de certas porcarias). Desembarcou com renite atacada, manca e decidida a não procriar.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Porque eu sei que é amor

Ontem estava ouvindo uma música do Titãs e um trecho da letra me fez refletir. “Porque eu sei que é amor, eu não peço nada em troca; porque eu sei que é amor, eu não peço nenhuma prova”. Será?

São versos com certo impacto retórico. Entretanto, não concordo inteiramente com eles. Seja por experiência própria, alheia ou literária, o amor pede sim provas.  Essa história de que “eu amo por nós dois” e “eu te amo e isso basta” para mim é pura enganação do eu e do outro. Quem ama quer ter provas de amor sim; quer ter o sentimento retribuído; quer saber que aquela pessoa amada sente algo pelo menos parecido.

Só aqueles que amam sabem a importância de receber, sem mais nem porquê, uma mensagem do amado no meio de um dia tumultuado. Um simples “oi” é suficiente para lhe fazer suspirar. Qualquer ser humano embevecido no amor, tem necessidade de se sentir querido, desejado.  São “provas” essenciais.

Há coisas que só ganham sentido quando se concretizam. Não há nenhum glamour em amar sozinho, em se apaixonar sozinho. É triste, cruel, dói e abre margem para bebedeiras, melancolia e besteiras. Sim, besteiras, porque mais “idiota” que amar, é a pessoa que ama sozinha. É cada coisa que fazemos para ser notado.

Enfim, mesmo assim, é muito bom se apaixonar, amar. Sofrer é uma conseqüência do risco. Sempre vai haver decepções de uma das partes, ou das duas. A balança nunca está em harmonia. Por tudo isso, reafirmo: mesmo sabendo que é amor, é preciso provas. Mais que amamos, queremos também ser amados.

Uma amiga discorda dessa opinião e diz que daqui a alguns anos vou descobrir que “sim, a gente consegue amar sem pedir provas... mas, só daqui a alguns anos".